Entre 16 de agosto e 16 de setembro de 2018, o desafio que me coloquei foi o de fazer um período diário de tempo de foco em projetos importantes (no meu caso, investigação). É uma técnica que por vezes aparece descrita como “focus time”, ou “tunnel time”. Implica um período de tempo por dia sem acesso a distratores com foco numa tarefa muito importante e não urgente, o tipo de coisas que acabam por mais diferença fazer a longo prazo.
Não foi uma experiência bem sucedida, mas implicou muitas aprendizagens!
Na correria do dia a dia todos nós acabamos por ter este tipo de dilema de forma mais ou menos clara: as tarefas quotidianas, as rotinas e as matérias urgentes que vão surgindo, vão ocupando o nosso tempo de tal forma que quando damos conta, passámos o dia inteiro a responder a e-mails e a tratar de questões importantes para outras pessoas e tarefas menores mas de natureza pragmática para nós.
Frequentemente, as coisas que consideramos realmente importantes mas que não são urgentes (pode ser um artigo científico, um telefonema pessoal, a consulta médica de rotina… etc.) acabam por ser sistematicamente adiadas porque algo de “urgente” surgiu entretanto.
Não obstante, há algo que frequentemente se aborda quando trabalhamos a questão da gestão de tempo: a diferença a urgência e a importância das coisas que “temos para fazer” e a forma como muitas vezes tarefas pouco importantes mas urgentes ocupam o lugar de tarefas importantes mas não urgentes, quando isso nunca deveria acontecer.
Como correu a experiência?
Este desafio não foi nada fácil. Implicou uma mudança muito grande no meu mindset habitual de trabalho, mais orientado para tarefas e menos para projetos, o que também significa que sou facilmente “distraível” e frequentemente gasto muito tempo com tarefas que não são essenciais ou importantes, mas são aquilo a que os anglo-saxónicos chamam de “busywork” (mantêm-me muito ocupada, mas em termos produtivos são pouco relevantes)
Semana 1
No princípio, o tempo de foco foi difícil de implementar e teve muitos percalços. Comecei por definir o tunnel time (TT) das 8h às 10h da manhã de cada dia, e mantive-me na tarefa lembrando-me da lógica das tarefas incompletas: mais vale começar uma tarefa e mesmo que incompleta enviá-la a outrem, ou depois continuá-la no dia seguinte, eliminando assim a pressão para a conclusão do trabalho que muitas vezes leva à procrastinação.
Uma das principais coisas que notei logo a princípio é que demorava muito tempo efetivamente a começar o trabalho focado, necessitando de um tempo de “aquecimento mental” e depois ficava completamente KO em termos de capacidade mental para o resto do dia, arrastando e-mails e outras tarefas que se iam acumulando.
Senti frequentemente nesta semana que um bom “tunel time” era incompatível com tarefas quotidianas, como responder a emails: este tipo de trabalho mais intensivo de um ponto de vista intelectual, fez com que no início ficasse KO para outras tarefas.
E no final da semana precisei de parar porque me senti a ficar esgotada
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Semana 2
Tal como se faz para desenvolver endurance no treino da maratona, comecei a alternar os tipo de trabalho focado e fui alternando os dias de descanso.
Pensei em alternar entre trabalho conceptual que me deixa esgotada e trabalho estatístico que usa outra parte do cérebro e é menos cansativo para mim e concluí que devia estabelecer objetivos semanais em termos de produtividade (por exemplo, uma quantidade de coisas escritas por semana).
Na segunda semana comecei a acusar bastante cansaço: apesar de estar a trabalhar imenso, não estava a cumprir com as tarefas mais importantes, dei por mim a adiar coisas que tinha para fazer, comecei a ter enxaqueca e a ficar com o meu humor mais degradado.
Decidi consultar autores na área da produtividade e verifiquei que uma as coisas que têm em comum é a recomendação de começar o dia com exercício e meditação (ou oração ou outra prática espiritual).
O racional por detrás desta recomendação para alguns autores é que as coisas importantes são aquelas que contribuem para objetivos de longo prazo que têm que ver com os nossos valores e prioridades: a saúde e bem estar devem estar lá bem no topo, porque o tempo e a qualidade do tempo que temos na vida depende muito disto!
Até aqui não estava a fazer isto porque queria começar o dia algo de forma produtiva, mas decidi experimentar, fazendo uma hora de caminhada e um quarto de hora de meditação. O resto do dia correu muitíssimo melhor do que qualquer outro dia da semana.
Semana 3
Apesar de achar que na terceira semana tudo estaria mais fácil de gerir e mais automatizado, verifico que não: continuo com muita dificuldade em me concentrar. Noto no entanto que o facto de ter estabelecido um ritual matinal de trabalho, me ajuda a começar com aquilo que considero mais importante, o que é surpreendente.
Comecei também a procurar informação sobre como me focar e como ser mais produtiva.
De forma consistente, diferentes autores referem que as dificuldades de concentração podem ser diminuídas com exercício físico e meditação.
Ou seja, é uma espécie de “pescadinha de rabo na boca”:
- Inbox zero é eficaz por si, mas precisa de tempo de foco diário para produzir resultados que sejam importantes para nós;
- Tempo de foco, para ser eficiente precisa de bem estar geral: meditação e exercício, e provavelmente boa alimentação…
O que significa que o meu sistema habitual de “não tenho tempo para meditar” ou “não tenho tempo para ir ao ginásio”, na verdade pode estar a fazer implodir o meu sistema por todo e talvez tenha de ser este o próximo objetivo.
Na terceira semana, tive vários dias em que não correu bem o tempo de foco, algo que me deixou bastante frustrada, mas o facto de me manter todos os dias a tentar fazer a tarefa resultou numa espécie de streak em que comecei a conseguir sistematicamente fazer tempo de foco, mesmo com dificuldades de iniciar o mesmo. Inclusivamente comecei a conseguir trabalhar no comboio, o que raramente me acontecia.
Comecei a perceber que tenho de gerir o formato de tunnel time de modo a não “queimar” os neurónios logo no início do dia, criando uma espécie de buffer (uma chávena de chá, o equivalente a um cigarro ou coisa parecida).
Estou segura que precisarei de implementar ainda mais mudanças para melhorar a minha capacidade de concentração.
Semana 4
Perdi-me completamente: trabalhei muito mas essencialmente para os projetos de outros, que têm prazos a apertar; o meu projeto está parado, ponto.
Na revisão de trabalhos de alunos voltei a ter uma espécie de tunnel time. Além da clareza que o TT me dá da necessidade de trabalhar as dimensões físicas e espirituais, há também uma consequência não prevista anteriormente: estou capaz de pensar melhor e articular raciocínios com maior clareza, estou mais ponderada e acho que isso se deve ao exercício que foi quase diário na primeira quinzena de explorar conceitos e construtos abstractos – de certeza que há estudos sobre a forma como isto altera a fisionomia do nosso cérebro! Mas pelo menos é um músculo que se treina 🙂
Impacto do desafio
No final do mês senti que precisava de repetir a experiência e compreendi as coisas mas que (ainda) não as implementei.
Conclusões finais
A técnica é boa e acredito que preciso mesmo de a implementar na minha vida quotidiana. Foi com uma técnica similar que concluí a minha a tese de doutoramento – e lembro-me bem de pensar na altura que iria manter sempre a rotina criada de fazer 2 horas de trabalho focado no início de cada dia, só que depois não o fiz.
Há muitas coisas que podem justificar o meu fracasso em implementar esta estratégia no passado: o sentimento de urgência do restante trabalho, uma má “orçamentação” da minha capacidade de trabalho e recursos pessoais, mau planeamento, dificuldades de gerir ansiedade ou mesmo alguma dificuldade em colocar as minhas prioridades em primeiro lugar.
Parece haver uma lógica de “pescadinha de rabo na boca”: fico stressada e não consigo focar, não consigo focar, fico frustrada e não tenho focus time, atraso as respostas de email, o que resulta em maiores níveis de stress.
Em setembro deste ano vou fazer um novo desafio de produtividade: pergunto-me se valerá a pena repetir o tempo de foco ou a experiência de começar todos os dias com exercício e meditação.
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